quarta-feira, 13 de abril de 2011

Um plantão especial

Escrevi este texto em 04/10/2009, e enviei por e-mail às residentes e preceptoras da ênfase Oncologia e Hematologia, da Residência Integrada em Saúde, do Grupo Hospitalar Conceição, da qual eu faço parte, como preceptora da Farmácia.

No plantão da quimioterapia deste domingo, dia 04 de outubro, aconteceu algo realmente inusitado. O plantão estava tranquilo, havia pouca coisa a ser produzida, já estava quase terminando, quando olhei pela janela da sala da QT e vi duas andorinhas presas na passarela de acesso à Central de Misturas Injetáveis. Essa passarela, toda envidraçada, tem apenas uma abertura bem no alto. Quando o dia está ensolarado, fica um ambiente muito quente, merecidamente apelidado de “corredor do inferno”.
Pois lá estavam as duas, tentando sair e batendo-se contra os vidros, já que não encontravam a passagem por onde haviam entrado. Aparentemente já estavam bem cansadas de tanto debater-se e também pelo calor da passarela.
Larguei tudo o que estava fazendo e corri para tentar tira-las de lá. Como a porta da CMI para a passarela estava trancada, desci até a Farmácia Central e subi a escada que dá acesso da Farmácia para a passarela. As duas, seguiam tentando sair e também fugir de mim, chocando-se com a vidraça. Consegui pegar uma delas, que encurralei num cantinho e fui atrás da outra. Acabei deixando a primeira escapar. Mas ambas estavam tão exaustas que logo consegui pegar as duas nas mãos.
Tão pequenas, tão frágeis, tão lindas!!!
Desci até a Farmácia e mostrei-as aos plantonistas, um pouco para exibir meu feito heróico, mas também para dividir aquele momento com outras pessoas. Todos correram para olha-las.
Então saí para a sacada da Farmácia e as soltei no chão. Uma voou imediatamente. A outra ficou ali, paradinha, talvez cansada demais para sair voando. Levei a mão para pega-la novamente e aí a surpresa: ela subiu sozinha no dorso da minha mão e ficou ali por alguns instantes. Me deixou fazer um cafuné na sua cabecinha e então saiu voando.
Este domingo era dia de São Francisco de Assis. E eu fui presenteada.

Mais tarde, voltando pra casa, vinha pensando no acontecido. Dá pra traçar um paralelo muito vivo entre esses bichinhos e os pacientes que atendemos.
Quantos deles vêem nesta difícil situação que é o câncer e pergunta-se como foi parar ali? E debatem-se contra vidraças invisíveis, sofrendo e precisando de alguém que os acolha? E quantas vezes, ao tentar ajuda-los, nós os assustamos, a ponto de tentarem fugir de nós, como se fôssemos piores do que o problema que carregam?
Quantas vezes, ao conseguir "capturar" algum deles, temos certeza que agora está nas nossas mãos e está seguro e temos a certeza de que estamos no controle da situação, então, de repente, ele voa das nossas mãos? E como temos trabalho para resgata-los?
Quantas vezes, ao tentar ajuda-los, corremos o risco de machuca-los das mais diversas formas? E quantas vezes de fato machucamos?
E quando finalmente conseguimos “prende-los”, quantas vezes os carregamos como troféus da nossa competência?
Algumas vezes, ao solta-los, simplesmente batem asas e voam. Outros, mais por gestos que por palavras, apertam nossa mão, num misto de amizade e gratidão. Quantas vezes isso nos toca e nos comove?

Ajudar as andorinhas foi emblemático para mim. Valeu o meu domingo, valeu todos os domingos que estive em plantão.

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