domingo, 24 de abril de 2011

Aletiane

Minha gata Brida quase morreu. Aletiane é o anjo que me ajudou a salvá-la.

Era setembro de 2001. Havia me separado há alguns meses, tinha sido recém demitida de um emprego horroroso, mas que botava comida na minha mesa, me sentia sozinha, incompreendida, e resolvi adotar um bichinho de estimação. Por morar em um apartamento e por habitualmente não parar muito em casa, escolhi ter um gato, ou melhor, uma gatinha, que costuma ser mais higiênica e comportada.
Soube de uma amiga que estava com uma ninhada em casa. Sua gata Jade, uma belíssima siamesa, havia tido gatinhos. O pai era um gato vira-latas e os filhotes não saíram puros. Não me importava a raça. Os gatinhos estavam com 45 dias, tempo suficiente para serem desmamados. Fui até lá para escolher.
Lá estava a pobre Jade, num estado de miséria, com uns quantos pendurados nas tetas, mas me chamou a atenção, tentando escalar a caixa de papelão, uma gatinha preta de pelo arrepiado e miado estridente. Paixão à primeira vista! Não precisei nem olhar para os demais, era aquela rebelde e ousada que eu queria!
Já tirei da caixa chamando pelo nome, que havia sido escolhido quando resolvi ter uma gata: Brida.
Teimosa, impaciente, desconfiada, briguenta, cabeleira arrepiada, ela se parece muito comigo. Gosta dum cafuné, mas vai com calma que ela morde! Não invade o espaço dela que ela arranha! Mas é leal e amiga.
No ano seguinte, ela engravidou de um gatinho que rondava o apartamento térreo onde morávamos, em Tubarão, Santa Catarina. Eu viajei para Canoas, num fim de semana, e quando voltei, ele havia invadido o apartamento por uma das basculantes que ficavam no alto (bem alto!) da janela, e os dois tiveram um romance tórrido! Não havia um grão de ração e uma gota d’água! Meses depois, Brida teve seis gatinhos, dos quais escolhi novamente uma fêmea para ser a companheira da mãe. Wicca tem a personalidade oposta: tímida, quietinha, preguiçosa, comilona (está obesa!), carinhosa, é um pouco meu alter-ego, porque às vezes também sou assim.
Ambas me acompanham aonde eu vou. Já me mudei nove vezes de lá para cá. Sempre estiveram junto comigo. Tive minha filha neste meio tempo, elas a respeitam e tratam com carinho. A Brida, tão arredia, deixa minha filha brincar com ela à vontade, sem nunca fazer nada contra ela, nem arranhões, nem mordidas, nada.
Dias atrás, minha Brida sumiu. Nunca tinha feito isso, nestes quase dez anos. Desconfio que ficou presa em algum lugar, mas a procurei desesperadamente e não consegui encontrá-la. Dias depois, voltou para casa, mas doente.
Encontrei-a em sua casa, tremendo, espumando, sem força nas patas, achei que tivesse sido envenenada ou que pudesse ser raiva. Puxei-a para fora com uma vassoura, porque tive medo que estivesse mesmo com uma doença grave e me mordesse. Sequer reagiu. Levei-a as pressas a uma clínica, escolhi a mais próxima da minha casa, sem nem me preocupar com o preço, pensando que talvez não tivesse tempo de levá-la mais longe.
Ela foi atendida por uma veterinária firme e determinada chamada Aletiane. Além do nome, esta mulher tem de incomum um especial carinho pelos seus pacientes. Aletiane foi muito além do seu papel profissional. Mostrou-se comprometida, competente, esclareceu minhas dúvidas, mas ofereceu mais do que isso. Ofereceu o que a Brida mais precisava naquele momento, o seu afeto.
A doença da Brida é um mal que atinge gatos, especialmente os mais gordinhos, chamado lipidose hepática. O gato fica sem se alimentar e seu fígado começa a se deteriorar, formando vacúolos de gordura. Li que ela mata 90% dos gatos nas primeiras 72 horas, mas passado este tempo, pode haver recuperação. É um processo longo, demorado, caro, exige paciência e dedicação, porque durante muitos dias o bicho precisa receber alimentação forçada, através de sonda ou seringa. Podem passar até três meses até que o gato volte a comer espontaneamente.
Aletiane me encorajou a não desistir. Investiu seu tempo e seu carinho para salvar a minha Brida e me inspirou a levar em frente esta empreitada. Teria sido mais fácil solicitar uma eutanásia? Certamente, mas não teria coragem, diante da determinação de Aletiane em tratá-la.
Após uma internação de uma semana, algumas idas e vindas para a clínica, Brida está em casa e eu a alimento usando uma seringa e uma dieta especial, concentrada em proteínas.
Exercito diariamente a paciência, para alimentá-la, para fazê-la se movimentar, e vibro com cada pequena reconquista de autonomia da minha amiguinha: usar a caixa de areia, voltar a se lamber, voltar a se coçar, começar a brigar comigo enquanto a alimento, dar pequenos passos pelo quintal.
Sinto-me feliz por não ter desistido de tratá-la. Talvez a Brida tenha ainda uns poucos anos de vida, os gatos vivem mais ou menos 15 anos, assim como os cães. Mas gostaria muito que minha gatinha pudesse ter uma morte serena e tranquila, sem sofrimentos, a mesma morte que cada um deseja para si.
E sinto-me grata a Aletiane, esta veterinária que demonstrou em suas atitudes o valor da persistência e que foi, verdadeiramente, o anjo da guarda da minha gatinha.

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