sábado, 27 de agosto de 2011

A menina que não queria sonhar

Minha filha, desde bem novinha, tem pesadelos com uma certa frequência. Não é raro o sono agitado, o despertar entre lágrimas, o medo de dormir.
Sempre tive com os meus sonhos uma relação muito especial. Meus sonhos falam comigo. Eles me alertam sobre meu estado de espírito, sobre as minhas inquietações, sobre o que está incomodando, me atrapalhando, e me põem em contato com os meus queridos que já partiram.

Não sei desde quando tenho esta percepção a respeito dos meus sonhos, as primeiras lembranças claras são da adolescência, mas sempre que me encontro em uma situação aflitiva, com problemas demais a me atormentar, um sonho sob medida chega e me mostra o que fazer.
Nem sempre é muito claro, às vezes é muito assustador, às vezes tem mais cara de pesadelo mesmo. Me acordo sobressaltada, apavorada, mas lembrando passo a passo o sonho que tive e, intuitivamente, descubro o que ele tem para me revelar.
Os sonhos ordinários, eu não chego nem a lembrar. Tenho fragmentos de imagens, tudo bem desconexo, sem nenhum sentido perceptível. Mas os sonhos que me falam, destes sim, eu lembro completamente e percebo sem nenhuma dúvida que podem me orientar de alguma forma.
Mas para chegar a reconhecer que meus sonhos poderiam ser úteis tive que me abrir à experiência de olhá-los sem medo, de pensar a respeito deles, de inseri-los no contexto das minhas vivências. E, pouco a pouco, fui aprendendo a me conhecer melhor, inclusive esta porção minha chamada inconsciente.
Há algum tempo, minha irmã foi fazer minha filha dormir e cometeu o pecado de dizer que estava na hora de ir para “o país dos sonhos”.
O país dos sonhos passou a ser o inferno na terra. “Eu não quero ir para o país dos sonhos” é a frase de todas as noites, na hora de dormir.
Com apenas quatro anos, ela ainda não é capaz de contar os sonhos que tem. Apenas me diz, cheia de lágrimas, “eu procurei você mamãe, mas você não veio”, numa clara alusão à minha ausência no seu último pesadelo.
É angustiante, para ela e para mim. Não sei o que fazer, não sei se há algo a fazer. Procuro explicar que não há país dos sonhos, que o sonho acontece dentro da cabeça, mas isto a conforta apenas para adormecer. No momento em que está sonhando, quando não se tem controle sobre nada, minhas explicações são vazias e fúteis.
Espero que, com o passar do tempo, minha fllha possa adquirir uma consciência diferente sobre seus sonhos, compreendendo-os e utilizando-os em seu favor. E principalmente, que possa não temê-los a ponto de não querer sonhar.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Toninho



Meu irmão, Antônio Augusto, está se formando.

Eu tinha quatro anos e lembro perfeitamente: eu queria uma irmãzinha! Quando vi aquele guri, a decepção foi instantânea. Aí ganhei um canarinho, para me compensar pela irmã que não veio. Canarinho que ele tratou de soltar quando estava com um aninho. É. Começamos com o pé esquerdo.
A gente se estranhou um monte de vezes. Eu, a mais velha dos irmãos, tinha que cuidar para que as pestes não aprontassem nada. Era impossível! Coisas quebradas, bagunça total, documentos que sumiam, eu era culpada por tudo. E não adiantava dizer “não fui eu”. A resposta era invariavelmente: “devias ter cuidado para que teus irmãos não fizessem nada errado”. Não tinha escapatória!
Enquanto o tamanho permitiu, eu mantive o guri sob controle. Mas ficou inviável depois que ele chegou a mais de 1,90m de altura!
Brigávamos por toda e qualquer coisa: o que assistir na televisão, os brinquedos que não eram guardados, os livros riscados...
Mas nem só de brigas nós vivemos!
Uma das primeiras lembranças que tenho dele, além do bebezinho tão pequeno deitado num travesseirinho de cetim azul com pequenas flores amarelas bordadas, somos nós dois embaixo do poncho da mãe, atolados na neve na vila dos Pelúcios, caminho de São Francisco de Paula para Bom Jesus, onde morávamos e onde ele nasceu. O fusca do pai não tinha ar quente. Nevou e se formou lama na estradinha de chão batido. Ficamos atolados. Enquanto o pai tentava conseguir alguma ajuda na vila, minha mãe ficou conosco no carro gelado. Para nos aquecer, colocou-nos embaixo do seu poncho de lã, como uma galinha com os pintos embaixo das asas.
Lembro dos dois mil e quinhentos acidentes com ferimentos que ele sofreu! Caiu do escorregador com uma vassoura na mão. A vassoura fazia as vezes de uma espada. Ao cair, o cabo da vassoura partiu exatamente sobre a boca do meu irmão. Aquela várias farpas da madeira rasgaram a carne profundamente.
Brincando de pega-pega, caiu de boca no chão e quebrou um dente.
Sentado sobre um muro, com as pernas enlaçadas na grade, caiu para a frente e bateu com a testa. Quinze pontos.
Brigou com um colega e levou uma pedrada na testa, no mesmo lugar dos pontos anteriores. Mais três pontos.
Arteiro era ele!
Quando tinha dois anos, morávamos em Cachoeira do Sul, na rua da estação rodoviária. Um dia, achou o portão aberto e sumiu. Foi aquele desespero, todo mundo procurando. Meu pai o encontrou na rodoviária, passeando entre os ônibus. Aliás, portão aberto era algo que ele adorava. Ainda com dois anos, recém havíamos nos mudado para Canoas, novamente achou o portão aberto e se enfiou embaixo de um carro que estava estacionado na frente de casa. Dois homens conversavam e um deles entrou no carro e deu a partida. O outro avisou: “espera, não arranca que acho que tem um gato aí embaixo” e se abaixou para olhar. Achou o Toninho!
E a adolescência? Primeiro, banho não era com ele! Um horror! Depois, um desfile de amigos com apelido de bicho: Porco, Jegue...
E o trago? Tomava todas! Uma noite, na praia, chegou torto! Ao invés de bater na porta, bateu na parede do vizinho! O pai queria o fígado dele. Pensando bem, acho que não queria. Aquele fígado devia estar condenado!
Até que um dia, um susto. Bebeu demais, passou muito mal por vários dias. Foi ao médico e foi diagnosticada diabetes tipo 2 aos 26 anos de idade. Nunca mais bebeu. Nem uma gota. Trocou tudo por água tônica.
Encontrou seu caminho num grupo espiritualista sincrético, no qual exercita seus dons e ajuda as pessoas a sua volta. E no grupo encontrou sua cara-metade, o pedaço que faltava para ser feliz. Com a Andréia, a transformação se consolidou: o eterno “porra-loca” achou serenidade e foco, estabilizou-se e, agora, se forma em Gestão Financeira.
Fico muito feliz com a trajetória do Toninho (1,94m e será sempre o Toninho!!!). Fico feliz que tenha se encontrado nesta vida, que tenha descoberto sua razão de ser no mundo, que se sinta realizado. Posso dizer, do fundo do coração, que tenho muito orgulho do meu irmão! E desejar a ele sucesso e muita felicidade!

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Clarice

Dia 04 de agosto minha irmã faz aniversário.

Ela é uma criança grande. Está chegando aos 30, mas bem poderiam ser 10. Um espírito jovem, que não perdeu a inocência infantil, que gosta de brincar e encontra alegria e encanto em coisas simples.

Encarna diversas personagens ao longo do dia: a Cacá, a Didi, a iniciada, a técnica de enfermagem, a artesã, a cozinheira, a pedagoga, a esposa, a filha, a irmã, num belo e colorido mosaico.
Por vezes, se perde pelos caminhos, porque ela não anda: saltita, rodopia, dá cambalhotas, moleca travessa. Assim é fácil não avistar as placas e os sinais de alerta.
Os pés que ela ainda não firmou totalmente no chão seguem substituídos por um imenso par de asas. Sua mente flutua, plana sobre os mares e as montanhas.
Tão grande quanto as asas é seu coração, um coração que acolhe, abraça, acalenta, sossega, mesmo sendo sempre desassossegado.
Seu coração é sua força, mas ela ainda não sabe. Seu coração é a âncora capaz de dar sustentação a sua mente alada. Isto ela ainda precisa descobrir. Precisa ver o que todo mundo vê: seu coração é sua luz guia. Quando a mente alça vôos incertos, o coração dá o rumo.
Hoje está de aniversário. Mais velha? Só o corpinho! O espírito segue uma menininha! Aquela mesma que voava de bicicleta pelas ruas, que jogava bolita com os meninos, que comandava a criançada à sua volta. Aquela mesma menininha que eu vi pela primeira vez dormindo dentro de uma mala (como sempre, ligeira demais, não deu nem tempo de comprarem seu berço).
Felicidades, irmã!