sábado, 2 de julho de 2011

Pé no freio

Mais um acidente de trânsito... Mais uma vez ilesa... Está na hora de repensar meu jeito de dirigir.

No ano de 2003 eu morava em Tubarão, Santa Catarina, cidade às margens da BR101, naquela época ainda não duplicada e altamente mortífera. Morei por dois anos neste lugar e com uma frequência mínima de duas vezes por mês, pegava a estrada para Canoas, cidade gaúcha da minha família. O trânsito na 101 era infernal. Ultrapassagens perigosas, imprudência, via tudo isso constantemente. Por mais de uma vez fui obrigada a sair da pista e ir para o acostamento para evitar alguma tragédia. Mas sobrevivi a dois anos nesta estrada sem ter sofrido nenhum acidente. Talvez pela tensão gerada por ela, por saber dos tantos riscos que ela representava, mantinha-me mais alerta, mais atenta, e era mais prudente do que de costume.
No dia 24 de maio daquele ano, estavam me visitando minha mãe, minha irmã e um amigo, que hoje é meu marido. Resolvemos dar um passeio no Farol de Santa Marta. O dia estava muito frio, mas o Farol é sempre lindo. Lá fomos. Na volta, final de tarde, vinha em alta velocidade na estradinha de chão batido. Num dado momento, olhei no retrovisor e, ao olhar novamente para a frente, estava chegando numa pontezinha de madeira, sem guarda, que ficava na saída de uma curva. Era a ponte do Rio Seco (que é seco apenas no nome), no distrito da Madre. Mal posicionada, a curva era para a esquerda e a ponte apontava para direita. Quando a vi, não houve tempo para nada. Cheguei a frear, mas o carro derrapou na areia grossa e desabou de cima da ponte para dentro do rio. Só tivemos tempo de soltar o cinto de segurança. Minha irmã foi a primeira a saltar do carro, quando ainda estava em queda. Boa nadadora, chegou logo à margem. Meu amigo, sentado no banco do carona, conseguiu abrir sua porta e posicionar-se de forma a ajudar minha mãe a sair. Quando o carro tocou o rio, ela teve a sensação de que o perigo terminara, e ficou parada, sem outra reação. Ele a fez sair e nadar até a margem. Até hoje rimos, porque ela chegou à margem sem molhar os cabelos e com a bolsa pendurada no ombro! E eu? Eu fui a última a sair. Como o carro caiu com o motor para o fundo do rio e levemente inclinado para a esquerda, a pressão da água impedia que eu abrisse a porta. Na pressa, não lembrei de olhar para a porta do carona, que já estava aberta. Abri um pouco a minha janela, e por ela passei. Depois do carro ser içado, vi o tamanho da abertura, e é quase inacreditável que eu tenha conseguido passar por ela. Deve ser o tal instinto de sobrevivência!
Molhados, gelados, aguardamos o socorro, que foi chamado por pessoas que passavam por ali. Uma família muito pobre que morava nas margens do Rio Seco nos emprestou casacos, para aliviar aquele frio todo. Uma senhora que nos ajudou, chamando bombeiros e guincho, perguntou-nos se estávamos todos bem, se não tinha ficado ninguém no carro e, surpreendentemente nos disse “Meu marido morreu assim”. E depois disso sumiu no horizonte. Não a vimos mais, nem para agradecermos toda sua ajuda.
O Palio azul marinho, que minha mãe ganhou da minha avó, novinho, não tinha 3000 km rodados, teve perda total.
Durante meses, ao fechar os olhos para dormir, via toda aquela água batendo no vidro. Foi difícil superar o trauma. Quando assisti ao filme O Mistério da Libélula, que tem uma cena parecida, cheguei a ter uma crise nervosa. Quase desisti de dirigir, mas resolvi seguir em frente ao invés de me deixar abater por este acontecimento.
Este foi um dos mais graves acidentes que eu sofri. Quando pequena, meu avô Leonello estacionou na beira de um barranco e o carro despencou, caindo dentro de um valão. Estávamos em cinco no veículo, eu tinha apenas 4 anos. Noutra feita, fui tirar o carro de um estacionamento e simplesmente o atravessei por cima de uma daquelas malas de concreto. Um negócio inexplicável! Eu vi a tal mala, eu sabia que ela estava ali, mas uma total falta de senso me fez virar a direção e sair por cima dela! Também atropelei um ciclista, cuja bicicleta estava sem freios e que atravessou o sinal vermelho. Por sorte, eu estava em muito baixa velocidade e apenas encostei na bicicleta, derrubando-a. E a minha vítima, um piá de doze ou treze anos, com mais medo dos próprios pais do que dos eventuais ferimentos, não aceitou que eu o levasse ao hospital, pegou sua bicicleta e se mandou. Eu fiquei lá, atônita e apavorada. Há dois anos, um carroceiro entrou comigo em uma grande avenida e acho que o cavalo se atrapalhou e acabou batendo na lateral do meu carro. Teve uma vez em que eu fui dar uma ré, num estacionamento, e enfiei o carro numa árvore.
Apesar dos acidentes, todos apenas com danos materiais (exceto o do ciclista, mas ele fugiu, suponho que estivesse bem!), sempre me considerei boa motorista. Arrojada, corajosa, decidida, enchia a boca pra dizer que eu dirigia “feito homem”, porque sempre tive horror da maneira “mulherzinha” de dirigir, devagar, cheia de cuidados, indecisa, "atrapalhando" todo mundo. O jeito masculino de dirigir combina mais com a impaciência descontrolada que eu carrego comigo. É um jeito machista de pensar? Pode ser. Eu nunca me declarei uma feminista de carteirinha. Achava que para ser boa motorista, tinha que agir no trânsito de um jeito meio masculino.
Semana passada, comprei um carro novo. Viajamos com ele, fomos até Santa Maria, no interior do Estado. Estava evitando usá-lo para ir para o trabalho, mas como estive gripada durante a semana e estava muito frio e chuvoso nesta sexta-feira, resolvi ir de carro. Deixei o marido no seu serviço e segui para o meu. Ao ingressar da Carlos Gomes para a Nilo Peçanha, em Porto Alegre, entrei na frente de um outro automóvel. Tudo certo, tudo em tempo, distância adequada, não fosse um terceiro veículo, que cortou a minha frente, vindo da esquerda para fazer uma conversão à direita, me obrigando a frear bruscamente e provocando a colisão do carro que vinha atrás na lateral do meu carro. Um susto, uma frustração de bater um carro com menos de 900 km rodados, e um golpe no bolso, não mais do que isto.
Pois bem, depois de tudo isso, talvez esteja na hora de deixar a mulherzinha que eu sou dirigir o carro. Certamente ela será mais prudente do que o machão que eu encarno ao sentar diante do volante, vai se envolver em menos acidentes e terá mais chances de sobreviver. Acho que até hoje, não foi minha direção arrojada que salvou minha pele, mas sim um bocado de sorte e proteção divina. Está mais do que na hora de tirar o pé do acelerador e botá-lo no freio, suavemente, enquanto é tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário