sexta-feira, 13 de maio de 2011

Irena

Irena era minha avó. Quantas saudades! Neste dia 12 minha ela teria feito 92 anos.

Ela era uma mulher fantástica! Dona de uma força e uma coragem indescritíveis. Determinada, nunca se curvou às dificuldades. Uma taurina típica! Um livro de auto-ajuda não conteria tantas mensagens de estímulo e motivação quanto a história da sua vida.
Ela nasceu no interior de São Sebastião do Caí, numa região hoje pertencente a Caxias do Sul. Casou-se com Leonello e foram viver num lugarzinho quase inóspito chamado Invernada.
Ela era professora da escolinha rural. Naquele tempo, as crianças eram alfabetizadas por quem sabia um pouco mais do que elas. Minha avó nunca teve nenhuma formação. Apenas boa vontade. Na escola rural, as séries iniciais eram reunidas em uma única turma. As crianças aprendiam a ler, escrever, rudimentos de português e matemática, tinham aulas de prendas domésticas, algumas técnicas agrícolas e o ensino religioso. Boa vontade era tudo o que se necessitava naquela época.
A jovem Irena sofreu oito abortos antes de conseguir ter seu primeiro filho, Agostinho, meu pai. Naquela época, isto era terrível, em parte pelas condições sanitárias de se lidar com os abortos espontâneos, em parte porque isto era muito mal visto.
Quando meu pai nasceu, a felicidade era tanta que minha tia-avó dizia “Só a Irena que tem filho!”, num comentário picante sobre a corujice da minha avó.
Outros três filhos vieram depois: Tereza, Leonel e Antonio, este último faleceu logo ao nascer, por um problema congênito.
E ainda criou, como sua filha de sangue, a sobrinha Natália. Mais velha do que as outras crianças, Natália tomou conta de todos. Foi o esteio da casa, a viga mestra que não deixava tudo desabar à sua volta.
Quando Leonel estava com cinco anos, em uma festa de casamento no interior, foi brincar em um rio, se afogou e morreu. Foi, acredito, a mais dura perda, a mais sentida, a que quase a derrubou.
Foi no trabalho que encontrou forças para seguir em frente.
O destino às vezes apronta das suas. Um dia, foi ao banco pedir um empréstimo para a compra de máquinas de costura. Pretendia montar uma sacaria. As condições não eram as mais favoráveis, mas para sua surpresa, numa coincidência inacreditável, o homem que a atendeu no banco havia ajudado a tirar o corpo de Leonel de dentro do rio. Ele não negaria o empréstimo àquela mulher que estava diante de seus olhos, não depois de ter visto muito de perto todo o seu sofrimento.
A sacaria foi aberta, Agostinho e Tereza estudaram, formaram-se, para deleite e orgulho da dona Irena. “Quando um dos meus filhos se forma, eu me formo junto!”, ela dizia. E falou isto também para cada neto que obteve seu diploma.
Meus pais se casaram e, nos primeiros anos de casamento, moraram numa casa bem próxima à de minha avó. Meu pai trabalhava na sacaria e estudava à noite. Minha mãe lecionava de dia e estudava à noite. E eu ficava com minha avó durante o dia, ia para casa só para dormir.
Foi assim até meus quatro anos, quando nos mudamos para outra cidade, por conta do novo trabalho do meu pai.
Com a dona Irena, conheci a história da família. Todo o meu referencial familiar veio dela. Todo o meu desejo de conhecer esta história veio dela. Ela me ensinou o valor da família, a força que este núcleo pode ter, a coesão que os laços de sangue provocam e que os laços de afeto solidificam.
Quando fiz minha primeira comunhão, ela, que também era minha madrinha, estava presente na missa. Eu não a achava, na hora de renovar as promessas do batismo. Era uma criançada, cada uma procurando seu padrinho e sua madrinha, eu não consegui vê-la naquela confusão. De repente senti a sua mãozinha no meu ombro e a voz suave: “Neca, eu estou aqui.”. Foi sempre assim. Ela estava ali. Mesmo que eu não a visse, mesmo que nem estivesse presente de fato, a força dos seus ensinamentos, a referência que ela sempre representou para mim, se faziam sentir no meu espírito.
Minha avó partiu com 90 anos de idade. Meu avô havia morrido seis anos antes. Numa noite, ela levantou de sua cama, caiu e quebrou a cabeça do fêmur. Disse que havia visto o vô no quarto e que ia atrás dele. Dias depois, foi submetida a uma cirurgia ortopédica, mas não resistiu. Foi ao encontro do seu amor, Leonello. Nos deixou num domingo, dia 29 de novembro de 2009.
Ficaram as lembranças e o legado de determinação e amor incondicional à família. Impossível não querer ser um pouco assim.

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